Eternamente Pagú:

Quem é Pagú?

Jornalista, escritora, militante comunista, Patrícia Rehder Galvão (1910 . 1962), a Pagú, foi uma das grandes vozes da vanguarda de seu tempo. Nascida na cidade paulista de São João da Boa Vista, onde se formou professora, ela não tinha nada das meninas do interior. Pintava os lábios de roxo, usava decotes e roupas transparentes e fumava em público. Aos 18 anos, rompeu com a família e foi praticamente adotada pelo casal Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Um ano depois, fez parte do movimento da Antropofagia. Em 1930, casou-se com Oswald, com quem teve seu primeiro filho, Rudá. Integrante do Partido Comunista, Pagu foi presa e torturada por participar de manifestações políticas. Em 1933, ela publicou, com o pseudônimo Mara Lobo, o livro Parque Industrial, documento sobre a vida da classe trabalhadora paulista no início do século. Em 1950, foi candidata a deputada pelo Partido Socialista Brasileiro. Lançou também a Famosa Revista, em que criticava a esquerda nacional, o jornal A Vanguarda, e criou o primeiro Suplemento Literário do Diário de São Paulo.

Mulher de inúmeros matizes, libertária por excelência. De Joana D'Arc a Rosa de Luxemburgo, uma combinação dos mais puros e profundos sentimentos de liberdade. Patrícia Rehder Galvão, a Pagu, fez de sua vida um campo de batalha contra a intolerância, os desmandos e os grilhões impostos por senhores de uma sociedade retrógrada e, nos mais diversos aspectos, injusta. Mais do que isso, ela se fez mulher. Um espírito batalhador que foi capaz de ir muito além dos limites impostos por seu corpo físico. Bem adiante de sua época, ela inovou e revolucionou costumes.

Quem foi Patrícia Rehder Galvão, ou Pagú, como ficou conhecida?

O apelido Pagú foi dado por Raul Bopp, teria mostrado a Raul alguns poemas e, na mesma ocasião, o poeta sugeriu que ela adotasse um "nome de guerra" literário. Sugeriu Pagu, brincando com as sílabas do nome da escritora, que Bopp equivocadamente acreditava se chamar Patrícia Goulart. Nascida em São João da Boa Vista em 9 de junho de 1910, sua história foi motivo de filme e farto material para livros. Pagu foi jornalista, escritora, incentivadora do teatro e das artes em geral, revolucionária e em meio a tudo isso foi ainda esposa, amante e mãe. Foi a musa do movimento de antropofagia.

Uma revolucionária que teve na sua atividade política seu maior algoz. Uma mulher inquieta e atenta a seu tempo, que optou pelo uso da palavra escrita para transmitir suas idéias e pelo jornal, como meio de fazê-las chegar a um maior numero possível de pessoas. Pagu tomou gosto pelo jornalismo cedo, quando ainda era apenas Patrícia, aos 15 anos, em 1925. Contrariando o mito, Pagu não participou da Semana de Arte Moderna de 1922, teria apenas 12 anos na ocasião. Admiradora do movimento, começou a escrever, e com apenas 15 anos foi trabalhar no jornal "Brás Jornal", de São Paulo, com o pseudônimo de "Pathy".

Da colegial exótica e de idéias surpreendentes, descobertas pelos "antropófagos" em 1929, sobrou para a jornalista dos anos seguintes a bagagem literária, adquirida sob a orientação de Oswald e Tarsila do Amaral. Sendo muito jovem, sem lastro intelectual representativo, contou com a orientação dos modernistas mais velhos. Até então Pagu se guiara pelo instinto.

Desde que viu Pagu, Oswald não conseguiu tirá-la de seus pensamentos. Acabou apaixonado pela jovem de 18 anos, corajosa, cheia de idéias vanguardistas e de uma beleza intrigante. Foi correspondido e começou a achá-la o "mais autêntico símbolo feminino da ousadia e inconformismo artístico e cultural de seu tempo".

Mas o romance para Pagu foi inicialmente um tanto complicado, já que ela tinha grande admiração e amizade por Tarsila. Foi nesse mesmo período que começou a escrever para a Revista Antropofágica (revista editada pelos modernistas contra todo domínio cultural estrangeiro), e a fazer grandes obras como "Álbum de Pagu", dedicado à Tarsila e o "Diário a quatro mãos", com Oswald de Andrade.

No início de 1930, já separado de Tarsila, Oswald e Pagu se casam

em cerimônia simbólica, no mínimo estranha: num cemitério, o da Consolação, em São Paulo. Só mais tarde, eles se retratariam na igreja.

Em 1931, Pagu e seu marido se alistam na militância do Partido Comunista e nesta fase editam o jornal esquerdista "O homem do povo". No periódico, ela assinava a coluna feminista "A mulher do povo", com ilustrações, histórias em quadrinhos. Queria, através de seu trabalho, impulsionar a mulher à luta, ao trabalho, ao mundo.

Como militante política, Pagu participa do comício dos estivadores em Santos, na Praça da República em homenagem a Sacco e Vanzetti e acaba sendo presa. Expoente de grau máximo da luta social de sua época, quando liberada, o PC, o partido que ela tanto amava, a obriga declarar-se "uma agitadora individual, sensacionalista e inexperiente". Sob o pseudônimo de Mara Lobo, publica a novela Parque Industrial, adotado por exigência do Partido Comunista. Ao contrário da vertente regionalista, Pagu trata de um Brasil urbano, em pleno processo de industrialização, e de uma problemática de classe, envolvendo uma classe média de valores burgueses e um proletariado que, embora explorado, não se cala frente à opressão.

Casada e com 1 filho, ela jamais se limitou à rotina da vida doméstica e muito menos às incoerências partidárias do Partido Comunista. Sem desistir da luta e de seus ideais, começou a viajar pelo mundo como correspondente dos jornais "Correio da Manhã", "Diário de Notícias" e "A Noite". Foi ao Japão, Estados Unidos, Polônia, China, França e Rússia.

E suas viagens renderam frutos, pois acabou sendo a primeira repórter latino-americana a presenciar a coroação do Imperador da Manchúria (China). Curiosamente, a participação de Pagu no desenvolvimento econômico do país, embora de dimensões gigantescas, foi esquecido. Graças a ela e a Raul Bopp (chefe do consulado do Brasil em Kobe de 1932 a 1934), sementes de soja foram solicitadas ao imperador japonês Pu-Yi e encaminhadas para o Brasil, através do embaixador Alencastro Guimarães. Assim, Patrícia Galvão marca sua presença na vida brasileira não apenas através de sua vida política e de suas contribuições culturais, mas também mostrando-se uma das responsáveis pela introdução de uma nova espécie agrícola, de grande importância para o país. Em Paris, filia-se ao PC francês, conhecendo Aragon, Paul Élouard e Péret. Na iminência de ser submetida a Conselho de Guerra ou deportada para a fronteira da Itália ou Alemanha, foi identificada pelo embaixador Souza Dantas, que consegue a repatriação de Pagu.

Seu regresso não foi nada feliz, seu casamento com Oswald não estava bem e o sistema de governo no país deixava muito a desejar: regia o Estado Novo de Getúlio Vargas. Neste período foi novamente presa, sofrendo terríveis

torturas (observe a foto) nos quatro anos e meio que ficou em cárcere.

Ao ser solta estava impressionantemente magra, com o seu físico e emocional em pedaços. Apesar de tudo, Pagu não se entregou, e lúcida, decide sair de vez do Partido Comunista, percebendo que a corrupção política não tem partido. A nova fase foi dedicada ao Jornalismo, a cultura e a família. Separada de Oswald, Pagu casa com o também jornalista Geraldo Ferraz, o grande responsável pela mudança em sua vida, com ele tem seu segundo filho. Juntos foram redatores de A Manhã e de O Jornal, no Rio, e de A Noite ,em São Paulo. Sempre acumulando mais que um emprego, em 45 a jornalista trabalhou na agência de notícias France

Press, editou com a colaboração de Geraldo Ferraz a Famosa Revista e integrou a redação do Vanguarda Socialista. No Vanguarda publicou apenas um artigo político e muitas crônicas literárias. Ainda nesse período de 45 a 50, marcado por intensa atividade jornalística , Patrícia passou pelos jornais: o italiano Fanfulla, O Tempo, Jornal de São Paulo e Diário de São Paulo. O jornal Diário de São Paulo

viveu uma fase de pauta de alto nível, com a colaboração de Patrícia e Geraldo Ferraz. O Suplemento Literário que editavam levava semanalmente até seus leitores autores inéditos, nada menos que James Joyce, Mallermé, Kafka, entre outros. Patrícia escrevia uma biografia crítica e publicava trechos de cada autor.

A Tribuna de Santos foi o último jornal pelo qual Patrícia passou e premiou com seu trabalho. Em 54, Geraldo Ferraz assume a secretaria de redação do jornal e Patrícia uma vaga na redação. A mesma qualidade de texto e alto nível das fontes que utilizava, foi transferida dos importantes jornais do eixo Rio/São Paulo , para a Tribuna. Ainda nos anos 50 faz uma última tentativa de resgatar sua militância política, só que desta vez pelo Partido Socialista Brasileiro. Concorreu à assembléia Legislativa, mas seu discurso acabou não agradando. Nele ela revelava as condições degradantes que foi submetida, que seus nervos e inquietações acabaram transformando-a "numa rocha vincada de golpes e amarguras, mas irredutível". Não foi eleita.

 Em apenas seis meses - de junho a dezembro de 1944 -, o escritor King Shelter tornou-se um fenômeno entre os fãs brasileiros de literatura policial, que compravam os exemplares da revista Detective em busca de seus contos. Da mesma maneira que surgiu - repentinamente -, Shelter desapareceu. Os nove contos escritos para Detective (revista dirigida por Nelson Rodrigues), um dos mais bem-sucedidos exemplos da literatura pulp fiction no Brasil, jamais foram reeditados.

54 anos depois King Shelter reaparece. E, como em um bom enredo policial, sua identidade é finalmente revelada: Shelter foi o pseudônimo usado por Patrícia Galvão. A redescoberta dos contos de Pagu segue um roteiro que poderia servir de ponto de partida para mais uma pulp fiction. Geraldo Galvão Ferraz, filho da escritora e fã das revistas policiais editadas no Brasil entre os anos 30 e 50, encontrou em um sebo paulista uma coleção de Detective. Tempos depois, ao examinar a nova aquisição em busca de um conto de Dashiell Hammett (o autor, entre outros, de O Falcão Maltês), descobriu uma história escrita por King Shelter. O nome jogou uma luz nas memórias de Ferraz: anos antes, ouvira uma referência ao pseudônimo em uma conversa com o pai, o escritor Geraldo Ferraz. "Ele havia me falado sobre King Shelter e chegou a me mostrar uma edição de Detective com um dos contos. Na época, não dei importância, nem sequer li. Depois, perdi a revista e o contato com Shelter". A partir do reencontro, ele iniciou uma pesquisa até encontrar os nove contos, a pesquisa centrou-se em meados dos anos 40. No início de 1945, Pagu voltou para Santos (SP), onde havia morado logo após ser solta, encerrando assim a carreira de King Shelter nas páginas de Detective.

Para Geraldo Ferraz, a descoberta dos contos policiais de Pagu mostrou um aspecto desconhecido da mãe. "Há o aspecto curioso, de descobrir que uma mulher como ela, vista como libertária e engajada politicamente, escrevia contos policiais. Mas, ao ler o material, comecei a perceber que, além da curiosidade, ela tinha uma qualidade literária dentro do gênero e da época".

Sua importância cultural na cidade de Santos foi tão grande que foi fundadora da Associação dos Jornalistas Profissionais de Santos, e a primeira presidente da União de Teatro Amador de Santos. Investindo na cidade, ela trouxe mais de 1200 participantes para o 2º Festival de Teatro Amador e traduziu para o teatro a peça de Ionesco, "A cantora careca". Dirigiu e também traduziu a peça de Arrabal "Fango e Lis" (59) com um grupo amador (essa peça teve estréia mundial em Santos, sendo vista até em Paris), ficando mais de dez anos em cartaz. Incentivou o teatro amador, fez campanha para a construção do Teatro Municipal (instalado hoje no Centro de Cultura que leva seu nome), traduziu e dirigiu teatro de vanguarda; fundou a Associação dos Jornalistas Profissionais e a União do Teatro Amador, que revelou tantos artistas depois consagrados em teatro e televisão. Foi como o palhaço de circo Frajola que Plínio Marcos conheceu Pagu, e foi ela quem incentivou o nascimento do dramaturgo. Dono de uma linguagem crua, a única que conhecia, e de uma densa carga dramática, apresentou a ela o texto de "Barrela". Em uma época em que dizer palavrão em público podia ser considerado um ato ofensivo, era praticamente impossível apresentar uma peça que tratava de estupro e códigos de conduta dentro de uma cela. Tanto que, logo após a primeira exibição, em 1959, "Barrela" foi premiada e censurada em seguida.

Para Plínio Marcos, Pagu era um "anjo anárquico que veio ao mundo para nos inquietar". Cláudio e Sergio Mamberti também foram fisgados para o teatro

por Pagu, que andava pela cidade divulgando obras de anarquistas como Arrabal, Claudio, ainda adolescente. Aliás foi com uma das peças de Arrabal, Cemitério de Automóveis, que o teatro de vanguarda assumiu sua maioridade no Brasil. Cláudio, claro, estava com o elenco que viajou com a peça para Cascais, Portugal, em 1973.

Em 1949, com um tiro na cabeça, Pagu tenta o suicídio. Escreve sobre isso em Verdade e Liberdade, panfleto de 1950: "Uma bala ficou para trás, entre gazes e lembranças estraçalhadas". Em fins de setembro de 1962, viaja para Paris, na intenção de submeter-se a uma intervenção cirúrgica com o professor Dubosc, do Hospital Laennec. A cirurgia não apresenta grandes resultados, o que leva Pagu a tentar novamente o suicídio. Nos últimos anos de vida, apesar de trabalhar incansavelmente pela cultura, começa a beber de forma compulsiva. Suas roupas ficam surradas, escuras e fora de moda. Seus cabelos viviam despenteados, seu olhar era angustiado, cansado, vago...

"Nada, nada, nada. Nada mais do que nada. Abrir meu abraço aos amigos de sempre. Poetas compareceram, alguns escritores, gente de teatro, birutas no aeroporto. E nada."

Foi seu último texto, datado em 23 de setembro de 62, antes de viajar para Paris. Precisava ser operada, o câncer a perseguia. Sem sucesso, volta para o Brasil. Três meses depois, seu coração para; ele não mora mais aqui, seguiu outra trilha onde possa encontrar seres que a entendam e a ajudem encontrar o sentido da LIBERDADE. E para quem a admirar, a mensagem que resume seu destino:

"O escritor da aventura não teme a aprovação ou a renovação dos leitores. É-lhe indiferente que haja ou não, da parte dos críticos, uma compreensão suficiente. O que lhe importa é abrir novos caminhos à arte, é enriquecer a literatura com gérmens que venham a fecundar a literatura dos próximos cem anos".

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CÔCO DE PAGU

(Raul Bopp)

Pagu tem os olhos moles

uns olhos de fazer doer.

Bate-coco quando passa.

Coração pega a bater.

 

Eh Pagu eh!

Dói porque é bom de fazer doer.

 

Passa e me puxa com os olhos

provocantissimamente.

Mexe-mexe bamboleia

pra mexer com toda gente.

 

Eh Pagu eh!

Dói porque é bom de fazer doer.

 

Toda a gente fica olhando

o seu corpinho de vai-e-vem

umbilical e molengo

de não-sei-o-que-é-que-tem.

 

Eh Pagu eh!

Dói porque é bom de fazer doer.

 

Quero porque te quero.

Nas formas do bem-querer.

Querzinho de ficar junto

que é bom de fazer doer.

 

Eh Pagu eh!

Dói porque é bom de fazer doer.

 

(http://www.lunaeamigos.com.br/cultura/cultura_mulheres2_patricia_galvao.htm)

 

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Pagu

Composição: R. Lee E Z. Duncan

Mexo, remexo na inquisição

Só quem já morreu na fogueira

Sabe o que é ser carvão

Eu sou pau pra toda obra

Deus dá asas à minha cobra

Minha força não é bruta

Não sou freira nem sou puta

 

Porque nem toda feiticeira é corcunda

Nem toda brasileira é bunda

Meu peito não é de silicone

Sou mais macho que muito homem

 

Sou rainha do meu tanque

Sou Pagu indignada no palanque

Fama de porra-louca, tudo bem

Minha mãe é Maria-Ninguém

Não sou atriz-modelo-dançarina

Meu buraco é mais em cima...

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