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12 de dezembro de 1962: Morre Pagu, a jornalista rebelde

11/12/2003 - Da Redação

 

Em plena efervescência da Era Jango, com um verão que já prenunciava as águas de março, que dois anos depois inundariam politicamente o país, a UNE e seus CPCs, a bossa nova e o cinema novo instigavam a vida nacional. No dia 12, vítima de um câncer, morria Patrícia Rehder Galvão, ou simplesmente Pagu. Escritora, panfletária, política, militante e sobretudo jornalista, Pagu retrata a saga de um tipo de mulheres inteligentes e audaciosas que marcaram presença e influenciaram os rumos do século XX.

Patrícia Galvão, como é mais conhecida, nasceu em 9 de junho de 1910, em São João da Boa Vista. Era a terceira filha de Adécia e Thier Galvão França, trazendo nas veias o sangue dos imigrantes alemães e dos quatrocentões de São Paulo. Seus talentos começaram a aflorar cedo, praticamente aos doze anos, em 1922, época do grande marco cultural brasileiro, a Semana da Arte Moderna do movimento modernista, que protestava contra o domínio cultural e artístico estrangeiro, principalmente europeu que se alastrava no Brasil. Jornalista precoce, aos 15 anos começa a colaborar com uma coluna fixa no “Brás Jornal” de São Paulo, com o pseudônimo de “Pathy”. E daí em diante as redações passaram a ser um lugar comum em sua vida. Ao amigo e poeta Raul Bopp deve o pseudônimo Pagu, que a acompanhou até o fim da vida. Nesta mesma época, já conhecida no meio artístico, Pagu é apresentada ao grupo de modernistas comandado por Oswald Andrade, no qual faziam parte Mário de Andrade, Anita Malfatti, Benjamim Peret, Tarsila do Amaral (mulher de Oswald) entre outros.

Pagu conhece Oswald de Andrade

Desde que viu Pagu, Oswald não conseguiu tirá-la de seus pensamentos. Acabou apaixonado por essa jovem de 18 anos, corajosa, cheia de idéias vanguardistas e de uma beleza intrigante. Foi correspondido e começou a achá-la o "mais autêntico símbolo feminino da ousadia e inconformismo artístico e cultural de seu tempo".
Mas o romance para Pagu foi inicialmente um tanto complicado, já que ela tinha grande admiração e amizade por Tarsila do Amaral, passando a dividir sua atenção entre os dois. E foi nesse mesmo período que começou a escrever para a Revista Antropofágica (revista editada pelos modernistas contra todo domínio cultural estrangeiro), e a fazer grandes obras como "Álbum de Pagu", dedicado à Tarsila e o "Diário a quatro mãos", com Oswald de Andrade.
No início de 1930, já separado de Tarsila, Oswald e Pagu se casam, numa cerimônia um pouco esquisita. O acontecimento foi simbólico, realizado num cemitério, o da Consolação, em São Paulo, na Rua 17, nº 17. Só mais tarde, eles se retrataram na igreja.

Já em 31, Pagu e seu marido se alistam na militância do Partido Comunista e nesta fase editam o jornal esquerdista "O homem do povo". No periódico, ela assinava a coluna feminista "A mulher do povo", com ilustrações, cartuns e até histórias em quadrinhos, revelando e ao mesmo tempo instruindo a mulher brasileira. Pagu queria através de seu trabalho, impulsionar a mulher à luta, ao trabalho, ao mundo... E pensando nele e nos mais necessitados que lançou o romance "Parque Industrial", obra que reflete sua solidariedade com o proletariado e ao comunismo como recurso salvador.

Ainda em 31, como militante política, Pagu participa do comício dos estivadores em Santos e acaba sendo presa. Quando liberada, o PC, o partido que ela tanto lutava e amava, a obriga declarar-se "uma agitadora individual, sensacionalista e inexperiente".

Pagu, sempre foi uma mulher à frente de seu tempo. Casada com Oswald de Andrade e com um filho, ela jamais se limitou à rotina da vida doméstica e muito mais às incoerências partidárias do Partido Comunista. Sem desistir da luta e de seus ideais, começou a viajar pelo mundo como correspondente dos jornais "Correio da Manhã", "Diário de Notícias" e "A Noite".

Na sua "volta ao mundo", Pagu foi ao Japão, Estados Unidos, Polônia, China, França e Rússia. E suas viagens renderam frutos, pois acabou sendo a primeira repórter latino-americana a presenciar a coroação do Imperador de Manchúria (China). Através deste evento que ela obteve as primeiras sementes de soja para serem plantadas no Brasil.
Em 34, após sua ida à Rússia, Pagu começou a ficar decepcionada com o comunismo e constatou que os ideais não batiam com a realidade daquele país. Sua análise de Moscou foi: "Gente pobre nas ruas e luxo para os burocratas". Logo em seguida vai a Paris, estuda na universidade de Soborne, mas acaba presa como comunista, sendo obrigada a voltar para o Brasil.

Seu regresso não foi nada feliz, seu casamento com Oswald não estava nada bem e o sistema de governo no país deixava muito a desejar: regia o Estado Novo de Getúlio Vargas. E neste período Pagu foi novamente presa. Sofre terríveis torturas (observe a foto) nos quatro anos e meio que ficou em cárcere. Quando foi solta, estava impressionantemente magra, com o seu físico e emocional em pedaços. Apesar de tudo, Pagu não se entregou, e lúcida, decide se divorciar de vez do Partido Comunista, percebendo que a corrupção política não tem partido.
A nova fase foi dedicada ao Jornalismo, a cultura e a família. Separada de Oswald, Pagu casa com o também jornalista Geraldo Ferraz, de quem tem seu segundo filho. Decide morar em Santos.

Nos anos 50, ela ainda faz uma última tentativa de resgatar sua militância política, só que desta vez pelo Partido Socialista Brasileiro. Concorreu à Assembléia Legislativa, mas seu discurso acabou não agradando. Nele ela revelava as condições degradantes que foi submetida, que seus nervos e inquietações acabaram transformando-a "numa rocha vincada de golpes e amarguras, mas irredutível". Não foi eleita.
Também nesta época, Pagu começou a colaborar com várias revistas de São Paulo e do Rio, e em 55 torna-se crítica de teatro literatura e televisão do jornal " A Tribuna" de Santos, assumindo essa função, maravilhosamente por sinal, até morrer. Sua importância cultural na cidade foi tão grande que foi fundadora da Associação dos Jornalistas Profissionais de Santos, e a primeira presidente da União de Teatro Amador de Santos. Investindo na cidade, ela trouxe mais de 1200 participantes para o 2º Festival de Teatro Amador e traduziu para o teatro a peça de Tonesco, "A cantora careca". Dirigiu e também traduziu a peça de Arrabal "Fango e Lis" (59) com um grupo amador (essa peça teve estréia mundial em Santos, sendo vista até em Paris), ficando mais de dez anos em cartaz.

Nos últimos anos de vida, apesar de trabalhar incansavelmente pela cultura, Pagu começa a beber de uma forma compulsiva. Suas roupas ficam surradas, escuras e fora de moda. Seus cabelos viviam despenteados, seu olhar era angustiado, cansado, vago...
"Nada, nada, nada. Nada mais do que nada. Abrir meu abraço aos amigos de sempre. Poetas compareceram, alguns escritores, gente de teatro, birutas no aeroporto. E nada," foi seu último texto, datado em 23 de setembro de 62, antes de viajar para Paris. Precisava ser operada, o câncer a perseguia. Sem sucesso, Pagu volta para o Brasil. Três meses depois, seu coração para. Morre uma jornalista que rompeu tabus, uma militante da vida, um Ser Humano sem Medo.
Sobre a vida de Pagu, foi produzido um filme, Eternamente Pagu,dirigido por Norma Bengel, com Carla Carmurati no papel da jornalista rebelde e Antonio Fagundes vivendo o escritor Osvald de Andrade..

Fonte: ABI - Associação Brasileira de Imprensa


 

Arte e Cultura
Quarta, 30 de junho de 2004, 10h03 
Catadora acha documentos de Pagu no lixo
 
Divulgação
Patrícia Galvão, a Pagu: fotografias e documentos originais foram encontrados em rua de São Paulo
 
 
 
 
 

Documentos originais e fotos da escritora e militante comunista Patrícia Galvão, a Pagu (1910-1962), e de seu último companheiro, o jornalista e crítico Geraldo Ferraz, foram encontrados no lixo, no bairro do Butantã, em São Paulo, pela catadora de papel Selma Morgana Sarti.

O material foi doado por Selma para o Arquivo Edgard Leuenroth, da Universidade de Campinas (Unicamp), e vai ajudar a instituição a criar a Coleção Patrícia Galvão.

Segundo o Jornal da Unicamp, Selma reconheceu a importância do material na hora de separá-lo para a reciclagem. Ela procurou uma amiga, aluna do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, para saber o que fazer com os documentos.

"A ignorância deixa a gente passar um monte de coisas importantes. Você já imaginou quantos catadores existem e quantas coisas foram destruídas?", disse.

O QUE FOI ENCONTRADO
* 2 retratos de Pagu;
* 2 fotos de Pagu (uma com Geraldo Ferraz e outra em saída de presídio);
* 1 carteira profissional original de Pagu, expedida em 30 de abril de 1946;
* 1 medalha recebida por Pagu no Festival de Teatro Amador de Santos em 1959;
* 1 placa de homenagem póstuma a Pagu, feita pela Câmara Municipal de Santos em outubro de 1998;
* 1 prova do jornal Diário da Noite de 22 de abril de 1938. A matéria relata uma das prisões de Pagu;
* 4 carteiras de identificação profissional de Geraldo Ferraz;
* 4 fotos de Geraldo Ferraz;
* 1 caderno de recorte de jornais com anotações de Geraldo Ferraz, incluindo uma matéria feita por ele após a morte de Pagu, em 1962.
 

Redação Terra
 
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  edição 88, março-abril 2003  
 

INSPIRAÇÃO

Musa Antropofágica

Jornalista, militante, crítica, apaixonada, cética, feminista, poeta, linda. Patrícia Galvão, Pagu, quebrou valores e lutou por mudanças. E pagou por isso

Reprodução

Que é que você pensa, Pagu, da antropofagia?

– Eu não penso: eu gosto.

– Tem algum livro a publicar?

– Tenho, a não publicar: os 60 Poemas Censurados, que eu dediquei ao doutor Fenolino Amado, diretor da censura cinematográfica. E o Álbum de Pagu – Vida, Paixão e Morte, em mãos de Tarsila, que é quem toma conta dele. As ilustrações dos poemas são também feitas por mim.

– Quais são suas admirações?

– Tarsila, Padre Cícero, Lampião e Oswald. Com Tarsila fico romântica. Dou por ela a última gota do meu sangue. Como artista só admiro a superioridade dela.

Informações: Pagu é a criatura mais bonita do mundo – depois de Tarsila, diz ela. Olhos verdes. Cabelos castanhos. 18 anos. E uma voz que só mesmo a gente ouvindo.

Assim escrevia o jornalista Clóvis Gusmão na revista Para Todos... em 3 de agosto de 1929. Ele falava da jovem que mais tarde roubaria o pai do Modernismo, Oswald de Andrade, de Tarsila do Amaral, criticou seu tempo, lutou pela revolução e tornou-se um dos ícones da luta brasileira pela valorização da mulher. Patrícia Rehder Galvão nasceu em 14 de junho de 1910. A “musa-mártir da antropofagia” revelou-se aos 18 anos de idade ao publicar um dos Desenhos de Pagu na Revista de Antropofagia (2ª dentição), São Paulo

Com Oswald de Andrade, escreveu o diário Romance da Época Anarquista ou Livro das Horas de Pagu que São Minhas, no qual se podem ler passagens como a do casamento, em 1930: “Nesta data contrataram casamento a jovem amorosa Patrícia Galvão e o crápula forte Oswald de Andrade. Foi diante do túmulo do Cemitério da Consolação, à Rua 17, nº 17, que assumiram o heróico compromisso. (...) Depois se retrataram diante de uma igreja. Cumpriu-se o milagre. Agora, sim, o mundo pode desabar”.

Um mês depois do nascimento da filha Rudá de Andrade, Pagu estava nas ruas participando das agitações da Revolução de 1930, e punha abaixo a célebre Cadeia do Cambuci. Em 1931 ingressou no Partido Comunista, ao lado de Oswald. Com ele iniciou o pasquim Homem do Povo, que teve vida curta devido aos constantes choques com os estudantes do Largo São Francisco e às duras críticas à sociedade pequeno-burguesa da época. Na coluna feminista A Mulher do Povo, Pagu dirigia palavras ásperas às damas tradicionais da sociedade paulistana. E observações nada generosas ao próprio feminismo: “Estas feministas de elite que negam o voto aos operários e trabalhadores sem instrução...”

Participou dos movimentos dos operários da construção civil em Santos e de uma greve de estivadores. No meio da confusão, recolheu o corpo agonizante de um estivador, que morreu em seus braços, enfrentou a cavalaria e foi presa pela primeira vez como agitadora. Foi forçada pelos camaradas a assinar documento isentando o partido e confessando-se “agitadora individual, sensacionalista e inexperiente”.

Mas Pagu não desistia nunca. Escreveu, aos 22 anos, o primeiro romance proletário brasileiro, Parque Industrial, publicado em 1933 e assinado com o pseudônimo Mara Lobo. “Impróprio para menores e senhoritas, como todo livro que tem idéias”, classificava o escritor Ari Pavão, seu contemporâneo.

Patrícia viajou à China, Alemanha e Rússia. Conheceu o comunismo pessoalmente e não teve receio de não gostar: “O ideal ruiu diante da infância miserável das sarjetas, os pés descalços e os olhos agudos de fome. Em Moscou, um hotel de luxo para os altos burocratas, os turistas do comunismo. Na rua as crianças mortas de fome”. Foi para a França, encontrou poetas, freqüentou a universidade popular, viveu como operária e ingressou no PC com identificação falsa, até ser presa como militante estrangeira.

De volta ao Brasil, em 1935, separou-se de Oswald e foi novamente presa. Quando saiu, após cinco anos, Pagu era socialista. Uniu-se ao jornalista Geraldo Ferraz, seu companheiro pelo resto da vida e com quem teria o filho Geraldo Galvão Ferraz, também jornalista. Foram para o Rio. Agora era Ariel, PT, Solange Sohl, não mais Pagu. Em 1949, tentou o suicídio. Em 1950, concorreu a uma cadeira na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e publicou o folheto Verdade e Liberdade: “Outros se mataram. Outros foram mortos. Também passei por essa prova. Também tentaram me esganar em boas condições. Agora, saio de um túnel. Tenho várias cicatrizes, mas estou viva”.

Ainda jovem, bem antes de depois enfrentar o câncer com cirurgia e tentativa de suicídio, Pagú havia brincado com a morte ao escrever: “Quando eu morrer não quero que chorem a minha morte/ Deixarei meu corpo pra vocês...” Ao partir, em 12 de dezembro de 1962, deixou muito mais do que isso.

Fonte: JOrnal dos Bancários de São Paulo